Existe hoje um costume que é difícil não perceber e achar no mínimo estranho. Trata-se da quantidade de empregados que colocam seus antigos patrões na justiça. Pelo número de historinha que já escutei por aí, e vendo algumas entrevistas televisivas de advogados trabalhistas, que por sinal é a especialidade mais numerosa, parece que essa prática de processar o empregador virou algo corriqueiro.
Tirando os casos de verdadeiras injustiças, os demais parecem envolver pessoas que vivem dessas situações especulatórias,fomentando as indústrias dos processos. Mas não desejo me envolver diretamente nesse assunto que além de ser detestável eu não tenho domínio. Sobre leis trabalhistas, justiça do trabalho ou qualquer matéria relacionada ao direito não conheço nada.
No entanto, sempre que escuto historinhas de processo trabalhista, lembro-me de outra história que é totalmente contrastante com essas encrencas que observamos por aí. Diz respeito a uns três parágrafos de um livro que apenas folheei, e desde então, esse pequeno trecho não esqueci. A história é a seguinte:
Na Idade Média viveu um jovem conhecido como Carlos, o Temerário(arrojado) e que também ostentava o título de conde de Charlois. Um belo dia chegava de uma viagem e ficou sabendo que seu pai, que era duque, retirou-lhe todos os benefícios. Então, Carlos percebendo seu estado de penúria mandou chamar todos os seus empregados, inclusive os ajudantes de cozinha.
Na reunião convocada com urgência, Carlos informou a situação de falência e manifestou o respeito pelo pai equivocado. Preocupado, ele pediu aos empregados que possuíam uma condição melhor, para que ainda esperassem por uma possível melhora da situação; aos mais pobres, disse que estavam livres para partir em busca do sustento. Avisou que se algum empregado escutasse que sua sorte mudou poderia voltar e seria recebido de braços abertos.
Neste anúncio só se ouvia o som do choro dos empregados, e junto com o choro veio o brado de que ficariam e sofreriam junto com o conde. Carlos, surpreso com a adesão até dos mais pobres, ficou visivelmente emocionado e encerrou a reunião com a seguinte frase:
“Assim sendo, que vivam e sofram; e eu sofrerei por todos, antes que sintam falta de algo”.
Foi comovente para todos ali presente, e depois deste episódio, dizem que apesar de toda dificuldade não faltou um frango sequer na mesa.
O intrigante acontecimento é descrito por Johan Huizinga, no livro O outono da Idade Média, e o historiador relata que este episódio medieval é integralmente dominado por uma motivação muito primitiva, a da fidelidade mútua.
Voltando aos dias de hoje, cinco séculos se passaram e da pra imaginar o que teria acontecido com o conde. Carlos, o Temerário provavelmente receberia uma dúzia de processos na justiça do trabalho, arrancariam as suas armaduras e transformariam sua vida numa dor de cabeça burocrática sem tamanho.
Essa coisa que chamam de lealdade está tão fora de moda que histórias como esta provocam apenas descrença e risos. Escutaríamos por aí:
_ Esse cara não é arrojado, é burro!
_ Ah, mas isso era lá na Idade Média, queria ver esse Carlos hoje!
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