Páginas

sexta-feira, 28 de março de 2014

EXULTAR NA MONOTONIA - G. K. CHESTERTON


“ Todos o intenso materialismo que domina a mente moderna apóia-se, em última análise, numa suposição; uma suposição falsa. Supõe-se que se uma coisa vai se repetindo ela provavelmente está morta; uma peça numa engrenagem. As pessoas sentem que se o universo fosse pessoal ele variaria; se o sol estivesse vivo ele dançaria. O que é uma falácia até em relação a fatos conhecidos. Pois a variação nas atividades humanas é geralmente causada não pela vida, mas sim pela morte; pelo esmorecimento ou pela ruptura de sua força ou desejo.
Um homem varia seus movimentos por algum leve elemento de incapacidade ou fadiga. Ele toma um ônibus por estar cansado de caminhar; ou caminha por estar cansado de ficar sentado imóvel. Mas se sua vida e alegria fossem tão gigantescas que ele nunca se cansasse de ir para Islington, ele poderia ir para Islington com a mesma regularidade com que o Tamisa vai para Sheerness. A própria velocidade e êxtase de sua vida teria a imobilidade da morte. O sol se levanta todas as manhãs. Eu não me levanto todas as manhãs; mas a variação se deve não à minha atividade, mas à minha inação.
Ora, para expressar o caso numa linguagem popular, poderia ser verdade que o sol se levanta regularmente por nunca se cansar de levantar-se. Sua rotina talvez se deva não à ausência de vida, mas a uma vida exuberante. O que quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças, quando elas descobrem algum jogo ou brincadeira com que se divertem de modo especial. Uma criança balança as pernas ritmicamente por excesso de vida, não pela ausência dela. Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante, elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem ‘Vamos de novo’; e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia.
Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É possível que Deus todas as manhãs diga ao sol: ‘Vamos de novo’; e todas as noites à lua: ‘Vamos de novo’. Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais, pode ser que Deus crie todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de cria-las. Pode ser que Ele tenha um eterno apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que nós. A repetição na natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um BIS teatral. O céu talvez peça BIS ao passarinho que botou um ovo.”

Fonte: G.K.Chesterton; Ortodoxia. Editora Mundo Cristão, 2007

Um comentário:

  1. “A repetição na natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um BIS teatral.”
    Quem não deseja que os momentos especiais se repitam pela eternidade? Percebo que se este desejo se realizasse a vida seria uma eterna monotonia... isso seria bom? Acredito que não... Precisamos de dias ensolarados, para sentirmos falta dos dias de chuva... dos dias de frio, quando estamos com dias de intenso calor.
    A natureza de nós meros mortais é a de estar insatisfeitos, acredito que é esta insatisfação, este desconforto que move nossas ações em direção a aprendizagem. O novo nos surpreende, nos encanta, nos faz estarmos em constante movimento.
    Não vejo a repetição da natureza, como o por do sol, por exemplo, como algo imutável, o movimento, está nos olhos de quem vê e não no próprio ato.
    Bem, eu apenas acho...

    ResponderExcluir